GESTÃO DE PROJETOS CULTURAIS - O CASO DA COLEÇÃO
ETNOGRÁFICA CARLOS ESTEVÃO DE OLIVEIRA DO MUSEU
DO ESTADO DE PERNAMBUCO
Geysa Karla Alves Galvão ¹
Denis Antonio de Mendonça Bernardes ²
Resumo
A proposta, objetivo principal, deste trabalho é a de se realizar um estudo analítico
da Coleção Etnográfica Carlos Estevão de Oliveira, do Museu do Estado de
Pernambuco, visando identificar políticas públicas e de acervo, com objetivo de
investigar os aspectos da gestão da informação e memória no âmbito do
desenvolvimento dos projetos existentes nas coleções etnográficas do Estado de
Pernambuco.
Palavras-Chave: Memória coletiva; Museus; Política Cultural; Gestão; Informação.
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1 Mestranda em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
² Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Orienta pesquisas na área de Memória
Social. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil, atuando principalmente
nos seguintes temas: Contratualismo, Constitucionalismo, Pacto Social. História dos Impressos e do Livro
no Brasil.

Quando pensamos em coleções etnográficas, devemos fazer reflexões amplas a
respeito dos contextos históricos que acabaram deixando essas coleções no
esquecimento à importância da existência dessas coleções nos dias de hoje. Pensando na
quantidade de coisas que esses objetos nos têm a dizer, e que temos a significar neles,
na sua vasta dimensão, no potencial interdisciplinar que há nesses conjuntos diversos, a
riqueza deles enquanto campo de pesquisa. Pensar ainda nas raízes e significados dos
processos e das escolhas que ao longo do tempo têm sido fundamentais para compor os
caminhos e os contextos atuais desses objetos etnográficos.
As coleções etnográficas, formadas por objetos que testemunham estágios e
particularidades da cultura humana, são compreendidas enquanto documentos que
traduzem a realidade material de uma cultura. Os objetos etnográficos possuem uma
relação de continuidade com as culturas de origem e os museus etnográficos possuem
capacidade de atribuir uma significação aos objetos que fazem parte de suas coleções,
tendo papel de estabelecer um diálogo intercultural, não se limitando a preservação
material, mas também desenvolvendo em seu espaço as dimensões sócio-políticas do
seu acervo.
O Museu do Estado de Pernambuco (MEPE) foi criado em 08 de fevereiro de
1929, pela Lei Estadual nº. 1918, em 24 de agosto de 1928. Suas instalações funcionam
em um palacete do século XIX, situado na Av. Rui Barbosa, no bairro das Graças,
Recife-PE. O acervo do MEPE é bastante rico e variado, contendo peças raras do
passado histórico, artístico e cultural da região, que vai desde a pré-história até a
contemporaneidade. Este acervo foi construído através de doações de órgãos públicos,
famílias influentes e aquisições feitas pelo Governo do Estado.
Sabemos que as coleções etnográficas são a afirmação de uma memória e de
uma história que não estão nos livros, visto que durante o processo de colonização do
Brasil, no século XVI, os povos indígenas já habitavam nosso país. Dessa época, o
Museu do Estado dispõe de artefatos indígenas, peças arqueológicas, etnográficas e
documentos que em sua maioria pertencem a “Coleção Etnográfica Carlos Estevão de
Oliveira”, a mesma constitui-se em um valioso acervo de mais de 3000 peças,
adquiridas entre os anos de 1908 e 1946, quando o pernambucano, advogado, poeta e
folclorista Carlos Estevão trabalhou na região Amazônica, ocupando cargos no Estado
do Pará como promotor público em Alenquer, funcionário público em Belém, e por fim,
diretor do Museu Paraense Emilio Goeldi, cargo que exerceu até sua morte em junho de
1946.

Entre as peças do acervo desta coleção podemos destacar mais de 546
variedades de objetos relacionados ao vestuário e adornos corporais de vários povos,
fabricados com os mais diferentes tipos de material biológico. Muito expressivo
também são os objetos de uso doméstico, potes e tigelas de cerâmica, observando
diferentes técnicas de fabrico e de arte entre os povos. Esses objetos apresentam grande
encanto e poder de comunicação, revelando a memória dos povos, sua cultura tangível e
intangível, sendo um verdadeiro inventário da cultura, importante para a compreensão
do cotidiano dos povos indígenas.
Recentemente foi criado o projeto “Coleção Etnográfica Carlos Estevão:
Memória, Documentação e Pesquisa”, este projeto está localizado institucionalmente no
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE), registrado oficialmente no
Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de
Pernambuco, e no Museu do Estado de Pernambuco, sob a coordenação do Prof. Dr.
Renato Athias. O projeto, que tem apoio da Fundação de Amparo à Ciência e
Tecnologia de Pernambuco (FACEPE), e terá, ao longo de seu ano de duração, três
eixos de ação: catalogação, capacitação e restauração. A primeira etapa consiste em
realizar o diagnóstico das peças que precisam de revitalização. A intenção é preparar
funcionários de museus e estudantes do curso de Museologia da UFPE para trabalhar,
posteriormente, na restauração das peças da coleção etnográfica.
O museu além de um espaço de cultura, no sentido de guardião do registro de
uma cultura material, é também um espaço de memória que pode possibilitar a recriação
de uma narrativa dessa mesma cultura lá encontrada. Dentro dessa idéia, a coleção é em
si um material rico de memória, de descrição etnográfica, um inventário de vida de um
povo, um canal de comunicação entre espaços e tempos diferentes. Vale salientar que os
objetos constantes neste acervo assumem determinadas cargas valorativas pertinentes ao
discurso ideológico que a instituição museal vai estabelecer e delimitar, segundo os seus
próprios critérios e as suas tipologias. Entendendo as coleções etnográficas como um
testemunho de uma dada realidade, percebemos a sua importância enquanto elemento de
registro e documentalidade do espaço e tempo histórico no qual foram produzidos.
Faz-se necessário entender a problemática destas instituições e o papel que as
mesmas desempenham na sociedade contemporânea. Neste contexto, o museu como
exemplar típico de instituição cultural voltada para o resgate histórico, é um espaço
potencialmente habilitado para servir de instrumento de intervenção no todo social.

De acordo com o Sistema Brasileiro de Museus (SBM), criado pelo decreto nº
5.264, de 05 de novembro de 2004, o seu estabelecimento cumpre uma das premissas na
Política Nacional de Museus, a constituição de uma ampla e diversificada rede de
parceiros que contribuam para a valorização, a preservação e o gerenciamento do
patrimônio cultural brasileiro sob a guarda dos museus, tornando-os mais
representativos da diversidade étnica e cultural do país.
O Ministério da Cultura lançou em maio de 2003, as bases da política do
governo federal para o setor, com a apresentação de caderno Política Nacional de
Museus – Memória e Cidadania, com o objetivo de promover a valorização, a
preservação e a fruição do patrimônio cultural brasileiro, promovendo a inclusão social
e a cidadania por meio do desenvolvimento e revitalização das instituições
museológicas existentes e pelo fomento à criação de novos processos de produção e
institucionalização de memórias constitutivas da diversidade social, étnica e cultural do
Brasil.
O decreto de lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, do Art 1º, constitui o patrimônio histórico e artístico
nacional o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja
de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil,
quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
MONTEIRO, CARELLI, PICKLER (2008), introduzem a discussão sobre o
tema “esquecimento” na ciência da informação:
“Desde sua concepção, os museus, as bibliotecas e os arquivos foram
considerados como lugares da memória da humanidade, pelo qual, a
perspectiva da memória é vista como preservação. Ao preservar documentos,
os lugares da memória guardam materialmente a memória de um povo, de
uma cidade, de um país e, com isso, a Ciência da Informação desconsiderou
um importante aspecto da memória: o esquecimento.”
Já Buckland (1995) faz uma avaliação do valor das atividades de coleção de
informações. Embora utilizando o termo coleção e trabalhando seu contexto, uma vez
que realiza sua análise na perspectiva que "informações como objetos são as únicas
formas que um sistema de informações pode lidar diretamente", comparando as tarefas
de preservação, disponibilidade e identificação dos acervos informacionais.
O livro “Memória e Cultura: a importância da memória na formação cultural

humana”, produzido pelo SESC durante o Seminário Internacional da Memória e
Cultura, traz reflexões muito importantes para a discussão sobre a preservação da
memória, onde foram realizados debates sobre a difusão de experiências desenvolvidas
em núcleos de preservação da memória, inseridos nas instituições culturais,
universidades, empresas e outras organizações. O livro faz a abordagem dos diversos
aspectos existentes nas relações entre memória e cultura, suas significações e
contradições históricas, os impasses que são criados devido a tecnologia e trata também
das políticas de esquecimento. É feita a vinculação da memória ao seu potencial
transformador, discorrendo sobre a possibilidade de reunir beleza e crítica,
entendimento e formação de valores, onde a cultura não se limita a preservação de
identidades e tradições e sim fazendo a relação entre o modo de integração social e os
costumes, valores e tradições existentes.
Na obra de Chartier (2002), chamada “A História Cultural entre práticas e
representações”, o autor aborda a história cultural da seguinte forma:
“Pode pensar-se uma história cultural do social que tome por objeto a
compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras palavras, das
representações do mundo social – que, à revelia dos atores sociais, traduzem as
suas posições e interesses objetivamente confrontados e que, paralelamente,
descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que
fosse”.
Ou seja, a história cultural tem como objeto principal a identificação do modo como
distintos lugares e momentos, em uma determinada realidade social é constituída,
pensada e dada a ler. Chartier se preocupa com a maneira que os indivíduos se
apropriam de certos conceitos, valorizando as mentalidades coletivas, criando condições
para que se constitua uma nova visão sobre história cultural, apresentando as fontes e os
temas estudados, buscando uma maior reflexão para o leitor.
Em uma das obras de Le Goff, o livro “História e memória: escrita e literatura”,
o autor descreve:
“Memória como capacidade de conservar certas informações, recorre, em
primeiro lugar, a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem
pode atualizar impressões ou informações passadas, que ele representa como
passadas”.

No artigo de Jane Beltrão, “Coleções Etnográficas: a chave de muitas histórias”,
publicado na Revista DatagramaZero, a autora trata sobre a questão das coleções
etnográficas, onde ela ressalta a importância das reservas técnicas para pesquisa:
“As reservas técnicas são importantes para consolidar e fortalecer as ações de
pesquisa e comunicação científica dentro de departamentos de instituições
científicas, posto que é possível utilizar o acervo etnográfico para produzir e
comunicar conhecimentos, especialmente quando os pesquisadores se
dedicam a contextualizar os objetos existentes no acervo”.
Assim sendo, as demandas sociais nos levam a debater sobre a renovação das formas de
se valorizar a cultura, novas formas de se conceber o patrimônio, garantindo o acesso
dos sujeitos sociais a lugares onde saberes e celebrações se encontram, primando que
determinados acontecimentos não sejam esquecidos, visto que foram construídos e
transformados ao longo da história, pois a memória é a presença do passado no
presente.
Diante do levantamento efetuado, pela revisão de literatura, foram propostas as
questões, anteriormente abordadas no problema de pesquisa, onde primeiramente, torna-
se importante relevar as instituições no aspecto das políticas públicas e de acervos,
através de exame baseado na linha conceitual exposta. Torna-se importante questionar
também como a informação e a memória sobre as coleções estão sendo utilizadas por
parte dos gestores, tendo a percepção da existência do processo de gestão de informação
e do conhecimento em si.
Os responsáveis pelo projeto “Coleção Etnográfica Carlos Estevão: Memória,
Documentação e Pesquisa”, inicialmente fizeram um diagnóstico dos documentos, onde
realizaram a avaliação dos documentos quanto as suas condições físicas e de
acondicionamento. Após o diagnóstico das condições dos documentos fez-se a
separação por tipologia documental (cartas, documentos pessoais, etnográficos), para
em seguida reunir cada tipologia em pastas e álbuns específicos para começar o
processo de catalogação e classificação dos mesmo. A catalogação e a classificação foi a
etapa principal das tarefas de tratamento dos documentos, pois se trata da identificação
dos principais dados dos documentos, que ao serem descritos servirão de identificação
destes, classificando por tipo e número correspondente a cada um deles. Logo após a
catalogação e classificação os documentos serão digitalizados e armazenados para
posterior disponibilização no site da coleção. A gestão documental foi o último estágio

das tarefas, onde organizaram os documentos, o arranjo arquivístico (divisão das
tipologias do acervo em pastas subdivididas e interligadas por assunto), servindo de
base para a localização destes.
Para facilitar o acesso, a pesquisa e a divulgação da Coleção Etnográfica Carlos
Estevão de Oliveira, o projeto prevê a digitalização e informatização de todas as peças,
que serão disponibilizadas “museu virtual”, aos moldes do Museu de Belas Artes do Rio
de Janeiro. Esta ação possibilitará conexões com outras instituições de arte do Brasil e
do mundo. O museu, com seu acervo tem um papel político, ao representar a sociedade
através de suas coleções, operando nele a capacidade de atribuir uma significação aos
objetos que fazem parte destas e correspondendo as aspirações da sociedade, colocando
o objeto etnográfico, em sua qualidade de documento, de patrimônio de arte, como um
objeto vivo, ou seja, exposto a sofrer e a provocar mudanças culturais e sociais.
O presente artigo buscou identificar demandas e potencialidades da Coleção
Etnográfica Carlos Estevão, na tentativa de promover o intercambio de informações
entre esta e a comunidade, dando relevo a importância da democratização do acesso a
informação e reforçando que a preservação da memória amplia os vínculos culturais,
econômicos e sociais.
Podemos observar como um dos principais desafios da gestão de projetos
culturais a necessidade de incrementar e ampliar as ações de preservação do patrimônio
em nosso Estado, promovendo a interdisciplinaridade e a cooperação, estabelecendo
estratégias sustentáveis para a preservação, otimizando a gestão dos museus e dos
processos museológicos, valorizando os saberes e fazeres específicos desse campo,
sendo compromisso o alargamento dos limites de atuação profissional e institucional, se
traduzindo em práticas multidisciplinares, técnicas e organizacionais, em cooperações
técnicas no campo da pesquisa para a preservação do patrimônio, somando esforços de
modo que essas instituições se transformem em dispositivos estratégicos de
desenvolvimento e inclusão social.

Referências
BELTRÃO, Jane Felipe. Coleções Etnográficas: a chave de muitas histórias.
Datagramazero. v,4, n.3, 2003. http://www.dgz.org.br/jun03/art_01.htm
BUCKLAND, M. Information and Information Systems. New York: Ed. Praeger, 1995.
BRASIL. Decreto-lei Federal 25, de 30/11/1937. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del0025.htm
CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Difusão
Editorial S.A, 2002.
LA VILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa
em ciências humanas. Porto Alegre: Artmed; Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
LE GOFF, J. História e memória: escrita e literatura. Campinas: Ed. Unicamp, 2003.
MONTEIRO, Silvana Drumond; CARELLI, Ana Esmeralda; PICKLER, Maria Elisa
Valentin. A Ciência da Informação, Memória e Esquecimento. Datagramazero. v,6, n.8,
2008. http://www.dgz.org.br/dez08/Art_02.htm
Coleção Etnográfica Carlos Estevão – Memória, Documentação e Pesquisa. Disponível
em: <http://www.ufpe.br/carlosestevao/>
Sistema
Brasileiro
de
Museus.
Disponível
em:
<http://www.museus.gov.br/sbm_apresentacao.htm>