Gawande conta sua participação na introdução do checklist proposto pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) e relata as dificuldades na elaboração desta ferramenta, a sua implementação inicial até chegar ao
grande estudo publicado no New England Journal of Medicine
A descrição dos bastidores deste projeto ajuda a entender por que a aplicação do checklist tem de ser
acompanhada de uma mudança de cultura (sua aplicação no Brasil não será diferente. Será um trabalho lento,
mas com enorme retorno para todos – pacientes, profissionais e financiadores). A maneira como Gawande
discute o problema é bastante esclarecedora. Profissionais céticos ao checklist poderão entender sua
importância pelos exemplos criteriosamente descritos. A postura de que “não é problema meu” é algumas
vezes encontrada em centro cirúrgicos, cabines de avião e na construção de um grande edifício. O checklist é
um auxílio crítico ao que deve ser adotado nesses locais. Seu desenho deve ser o mais simples possível.
Trata-se de uma ferramenta indutora de mudança de comportamento. O checklist não é uma lista de compras
ou receita de bolo.
A ajuda da aviação no uso correto do checklist é o ponto de partida que Gawande usa para explicar a real
diferença entre checklist e uma lista de verificação (tradução literal do inglês). Este é um dos, entre vários,
pontos altos do livro. O checklist utilizado em sistemas complexos como a aviação é uma ferramenta auxiliar à
tomada de decisão. Citando um veterano piloto, o autor lembra o fato de que o checklist deve significar parte
da “filosofia de voo” de uma companhia aérea. Esta similaridade com a filosofia do atendimento ao paciente no
sistema de saúde é discutida em todo o livro.
Gawande fez entrevistas e visitou várias indústrias, e com a aviação aprendeu que existem checklists bons e
ruins. Os ruins, em geral, são vagos, imprecisos, longos demais, difíceis de usar e pouco práticos. “São feitos
por burocratas que não têm ideia das situações em que serão usados” (página 192). O que se vê nas diversas
tentativas de implantação do checklist em hospitais (brasileiros ou não) é que este acaba por ser utilizado como
ferramenta burocrática, muitas vezes entendido como um recurso para produzir provas a fim de evitar
eventuais processos judiciais. O seu preenchimento e assinatura por alguns setores do sistema de saúde é
considerado prioritário, o que vai contra a filosofia do checklist como instrumento de promover segurança.
Nenhum piloto assina o checklist, mas todos devem segui-lo corretamente para evitar acidentes e superar
eventuais emergências. Numa passagem do livro, Gawande descreve seu diálogo com uma enfermeira, a qual,
ao perguntar sobre o checklist, recebe como resposta um papel com os itens ticados corretamente. Gawande,
de forma incisiva, retruca: “Deve ser um Checklist verbal, um Checklist de equipe” (página 120).
De acordo com a filosofia que orienta o checklist, este deve ser aplicado nas pausas e momentos em que o
contexto exija. Em determinadas situações, o hospital ou serviço deve ter um checklist específico para um
determinado tipo de cirurgia (cirurgia com uso de instrumental múltiplo, por exemplo) ou situação clínica
(acesso venoso profundo ou parada cardiorrespiratória, por exemplo). A OMS deu um primeiro passo ao
apresentar o Checklist Cirúrgico, extensamente debatido, com inúmeras versões inicialmente, pois já era
adotado de alguma forma no Toronto General Hospital, na Johns Hopkins e no grande grupo hospitalar
californiano (Kaiser Permanent). Mesmo após os resultados positivos da pesquisa realizada em oito hospitais
de países, culturas, fatores econômicos e sociais distintos, fica claro que o checklist proposto pela OMS é um
checklist básico, e que a adaptação e modificação deste instrumento são estimuladas tanto pela OMS, quanto
por Gawande (página 115).
Outro ponto ressaltado neste livro é a decisão de que o checklist “não visa produzir registros”. O propósito é
que haja as corretas verificações e o diálogo entre todos os membros da equipe cirúrgica, a fim de garantir que
as tarefas sejam executadas e que todos façam o necessário para a obtenção do melhor resultado possível
(página
144).
Há uma esperada curva de aprendizado no seu processo de aplicação e aceitação, sendo comum o
esquecimento de verificar parte do checklist, daí a afirmação de que todos devem ajudar a todos. O autor
também relembra que cada pessoa tem seu próprio estilo na sala de cirurgia, sobretudo os cirurgiões. A grande
dificuldade está em ajustar o estilo pessoal de cada cirurgião ao dos demais profissionais. O que o checklist
visa é promover a interação de todos os envolvidos, permitindo uma revisão sistemática do que está sendo
programado para a cirurgia. É uma grande oportunidade para que todos os envolvidos no procedimento, direta
ou indiretamente e independentemente de sua função no centro cirúrgico, possam se inteirar do planejamento
cirúrgico-anestésico e para que eventuais questionamentos possam ser esclarecidos, visando à segurança do
paciente.
A ideia central do livro é, através de relatos vivenciais, demonstrar a necessidade de os membros da equipe se
manterem informados de todos os passos do processo cirúrgico em curso. O processo decisório correto
depende muito do diagnóstico correto da situação em curso e do diálogo profissional entre os que podem